quarta-feira, 8 de junho de 2011

Na era da “Gestão gerencialista”, o que “fazer” psicólogos?


Por Cláudia Cirino, Eulália Silva, Fernanda Kevellin, Jaqueline Santos e Poliana Dantas
Ao longo da história das organizações e do trabalho a psicologia vem tentando afirmar o seu papel na compreensão e intervenção sobre os fenômenos que se estabelecem nas práticas institucionais e nas relações de trabalho. Entende-se que não é possível a compreensão do homem de forma completa sem levar em conta suas interações sociais, em especial as vivencias e relações que são criadas a partir de seu ambiente de trabalho. Considera-se que o “estar empregado” é fator preponderante para segurança e afirmação social do ser humano.
Ao nos confrontarmos com a realidade que nos cerca a respeito de como as sociedades se formaram, como se deu as divisões das classes, assim, nos deparamos com a futilidade consumista do sistema capitalista em que vivemos. Assim, o nosso sistema econômico ao longo dos anos sofreu grandes modificações, dentre elas o medo real de se perder uma conquista profissional.
Para Gaulejac (2005) o “conformismo, a passividade, e o sonho de conquistar o primeiro emprego, o de se manter no atual” trouxeram conseqüências bastante comprometedoras para a relação do homem/trabalho. Veta-se a autonomia e a individualidade do sujeito e o coloca frente a uma nova formação econômica, sem uma vida independente, formando-se uma nova ideologia, a de que a ampliação do sujeito em convívios sociais depende de sua inserção. Para Gaulejac (2005, pg. 8) “o sujeito busca seu lugar de pertencimento do seu espaço de convívio”.
Assim, mediante a crescente transformação e complexidade que atravessam nosso mundo globalizado o centro das atenções tem se voltado para o sujeito produtivo, bem sucedido e “ajustado” socialmente. Na nova ordem mundial tudo é business, cada indivíduo é convidado a vender- se para enriquecer. O comércio se torna a finalidade da vida humana, sua razão de ser.
De acordo com Gaulejac (2007) com o avanço do capitalismo financeiro e da tecnocracia tem se buscado cada vez mais a padronização do ser humano. Sendo que as práticas de “gestão gerencialista” têm promovido a rentabilidade humana. Assim, cada indivíduo deve ser capaz de gerir e organizar sua vida traçando metas e objetivos que possibilitem um melhor desempenho proporcionando, inclusive que o tempo se torne rentável.
Conforme Gaulejac (2007), as atuais teorias do gerencialismo se fizeram presentes nas empresas e no setor público na década de 1980, tanto na França quanto na Inglaterra e nos Estados Unidos. A partir disso, apareceu o problema de conciliar as dimensões política, econômica e social nestes países e até os dias de hoje setores franceses nacionalistas são contra a globalização e elaboram críticas e barreiras simbólicas contra ela.
A psicologia tem contribuído de certa forma para afirmação do modo gerencialista de gestão. Desde o principio o olhar da psicologia, no Brasil e no mundo, esteve voltado para o desempenho do trabalhador atrelado a eficiência dos serviços prestados às organizações. O papel do psicólogo no trabalho sempre esteve ligado à seleção de pessoal e o uso de testes psicológicos com o objetivo de proporcionar o ajustamento dos indivíduos aos cargos dispostos. Característica que tem influência direta da Administração Científica de Taylor que tinha como princípio o estabelecimento de práticas organizacionais que tornassem os empregados mais produtivos e eficientes, dentro do menor tempo possível.

“O campo de aplicação, até meados da década de 30, centrava-se em estudos e intervenções junto aos incentivos financeiros, treinamento no trabalho, fadiga e monotonia, luminosidade e ventilação, testes de admissão, estudos de tempo e movimentos, turnos de trabalho, segurança e disciplina. Nas décadas seguintes, expandindo-se também nos demais países industrializados, as atividades do psicólogo e de outros profissionais ligados às ciências do comportamento dirigiram-se para os incentivos não financeiros, liderança e supervisão, relações interpessoais, atitudes dos empregados, moral no trabalho, avaliação de executivos, relações homem - máquina, entrevistas e aconselhamento” (BASTOS e ZANETTI, 2004, p. 468).


No modo gerencialista de ser, de acordo com Gaulejac (2007), é proposto aos empregados e até os desempregados a ideia de empreendedorismo. E assim, o humano passa a ser gerenciado como um capital ou uma mercadoria comercializada pela organização. Desta forma, “cada individuo pode ser objeto de uma avaliação ‘objetiva’ sobre aquilo que ele produz para a sociedade. A sociedade gestionária tem hoje os meios para medir a rentabilidade efetiva de cada ser humano, como se faz nas empresas” (GAULEJAC, 2007, p.179).
A família também passa a ser administrada como uma empresa. Pais investem em filhos para que se tornem bem sucedidos e “empregáveis” futuramente, suprimindo todo tempo livre com atividades diversas: natação, inglês e outras “especializações”.
Este suposto gerencialismo também pode ser visto de outra maneira. Segundo Ceccarelli (2001) vivemos na “cultura do narcisismo”, onde a cultura determina a imagem do tipo pais “ideais”, enquanto recebe de volta o tipo ideal de filho. Reproduzido pelo que o autor chama de era dos “especialistas” que estabelecem regras de como fazer com que o individuo seja “normal”. Assim:

Os filhos transformam-se no espelho do narcisismo dos pais onde é projetado o status social (...) gerando, entre pais e filhos, um circuito perverso de retroalimentação. Não raro, esta situação gera uma imagem narcísica infantil supervalorizada que pode impedir a construção de limites e de respeito aos direitos dos outros. (CECCARELLI, 2001)

Por este aspecto entendemos que os pais esperam se realizar nos filhos. Ao passo que também temem que estes repitam os seus possíveis fracassos. Deste modo, tentam a qualquer custo impor os meios necessários para que seus filhos sejam “bem sucedidos”. O que vai de encontro à meta imposta pela gestão gerencialista que não disponibiliza espaço paro sujeitos “fracassados”. Tal perspectiva vai de encontro às afirmações de Gaulejac (2007) de que a “gestão de empresa e gestão de si mesmo obedecem às mesmas leis. Trata-se de racionalizar a produção dos homens com o modelo da produção de bens” (p.196).
Os pais ficam ansiosos, pois precisam preparar o filho para as condições que a sociedade “hipermoderna” impõe sobre ele, os pais procuram fazer com que seu filho se torne um indivíduo autônomo, ativo, bem consigo mesmo capaz de se submeter e aguentar as exigências do mundo do trabalho, aceitar as normas, submissões, obrigações e etc. Tal fato, contudo, parece estar gerando efeito contrário. O que temos percebido em nossa sociedade, como reflexo desta era gerencialista, são pessoas cada vez mais frustradas. Embora tentem obedecer a lógica gestionária os indivíduos estão adoecendo mais. Afinal são humanos – “carne e osso” e não uma máquina a ser regulada.
Importante dizer que temas como estes geram um espaço amplo ao debate. Pois entendemos que, inclusive, os psicólogos tem se submetido a esta era gerencialista e também contribuído para sua prevalência. É preciso, neste momento, rever o “fazer” do psicólogo. Cabe a este profissional despir-se de seu “suposto saber”, a fim de construir e/ou reconstruir os modos de intervenção dentro das práticas de gestão. É necessário que a suposta “neutralidade” dê lugar à curiosidade e questionamento. Entendendo que além de competência técnica o psicólogo precisa ter sensibilidade para analisar além do sujeito “produtivo”. É pensar que esta forma de gestão gerencialista acaba gerando impactos psicossociais, especialmente sobre a qualidade de vida e saúde deste sujeito, seja no âmbito individual ou coletivo o que requer implicação e posicionamento constantes do psicólogo frente a estas questões.

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