quarta-feira, 8 de junho de 2011

Gestão de si mesmo

“O trabalho e as organizações de trabalho estão presentes na vida de todos. Quanto do cotidiano de cada um não é ou foi afetado diretamente pelo funcionamento dessas organizações sociais? Quanto do bem estar, qualidade de vida e problemas enfrentados pelas pessoas não estão relacionados com a dinâmica das organizações e com a forma que o trabalho e a sua organização assumem na sociedade?” ( ZANELLI, 2004,p 463).

Continuando nossas reflexões sobre Gestão e Cuidado, nosso tema hoje neste texto é a “Gestão de si mesmo”, a partir das colocações de Vincent Gaulejac, de texto do mesmo nome.
Segundo este autor, o gerencialismo atual presente na maioria das organizações contribui para que o indivíduo se veja cada vez mais pressionado para gerir a si mesmo de uma maneira rentável, realizada a todo tempo tendo por objetivo a sua própria produtividade, tornando o homem escravo de si mesmo. Instala-se a cultura do alto desempenho, ele vive em clima de competição generalizada. Busca-se hoje, um trabalhador inovador, criativo, crítico, dinâmico, portador de um “saber relacional” entre as características principais, para atender à demanda de um mundo cada vez mais globalizado. “O homem flexível, substitui o homem por profissão”.
Isto impõe, porém, ao trabalhador, uma pressão contínua que pode o levar ao esgotamento profissional e inúmeras formas de doença e sofrimento no trabalho.
Essa modificação no mundo do trabalho, que é rápida, exigindo cada vez mais novas formas do exercício da tarefa laboral, traz ao trabalhador a sensação de fracasso constante, pelo fato de não estar atingindo às expectativas do mercado, pois podem perder o controle das funções a serem realizadas. Este fato leva a uma perda da noção do tempo linear. A instrumentalização do humano, provocada pelo Gerencialismo, leva cada indivíduo a se adaptar a normas, processos e regras. Tornar-se produtivo, ser empreendedor. Esta é a ordem! A sociedade e/ou a organização, por sua vez, integra aqueles que lhe são úteis, rejeitando os demais. Essas mudanças rápidas nas quais obrigam a todos a fazer escolhas para fazer valer quem sabe, suas próprias normas de vida.
Eis o grande dilema do trabalhador: por precisarmos do prescrito para que a organização da vida no trabalho seja cumprida, porém, ao estarmos engessados no prescrito perdemos a chance de modificar a situação que está possivelmente atrapalhando a tomada de decisões adequadas. Precisamos tomar decisões que nos levam ao favorecimento de uma qualidade de trabalho verdadeiro, construir uma prática de gestão que supere estas exigências constitui um desafio.
O gerenciamento faz com que trabalhadores vivam em função das empresas, seguindo ordens, tendo que acatar suas imposições. Muitas vezes ocorre deles deixarem de ter uma vida social para servir a sua empresa, abandonando até mesmo o convívio com a família. Empresas têm feito com que o trabalhador passe a acreditar que o seu local de trabalho é também sua família, e que o trabalhador vista a camisa da empresa e passe a dar seu melhor, gerando assim seu adoecimento.
Atualmente em algumas empresas, se houve falar em “gestão de pessoas” como forma de reconhecer o trabalhador não apenas como um a mais na produção, mas como parceiro que contribuíra para a mesma. Este é um desafio que as empresas têm enfrentado para que o trabalhador se sinta bem com a empresa e que possa ter um nível cada vez mais qualificado para conseguir atender um mercado cada dia mais exigente. Mas em função do capitalismo exacerbado muitas empresas não tem aderido essa nova forma de olhar o profissional e o trabalhador continua enfrentando pressões e exigências cada vez maiores para dar conta da competitividade do mercado.
O autor nos mostra que a era do gerencialismo chegou até mesmo ao âmbito familiar, lugar onde as pessoas devem agir como patrões, investindo nos filhos como se eles fossem o principal capital a ser valorizado. Dessa forma, a própria escola passa a ser vista como um investimento para o futuro dos filhos, que tem que estar inseridos nos melhores estabelecimentos. O tempo que se passava fora da escola e que antes era livre, deve agora ser otimizado, produtivo, rentável... e cabe aos pais se atentarem a isso. Afinal, eles se tornaram responsáveis pelo “sucesso ou fracasso de seus filhos”. De maneira geral, todas as características do gerenciamento fazem parte da família, e o casal deve cuidar para administrar os conflitos da empresa para que ela cumpra com seu objetivo: produzir indivíduos que sejam empregáveis.
Ao tomarmos consciência da forma como a sociedade vem funcionando, podemos repensar então as formas de atuar do psicólogo que ocupa um “cargo gerencial”. Para se inserir no mercado de trabalho não há como fugir desta lógica dominante, porém é necessário pensarmos formas de atuar de maneira diferenciada, sem deixar a exigência de produtividade de lado, mas também se atentando para a dimensão do cuidado que todo psicólogo deve ter, ainda que ocupe cargos de gestão. Não há como fugir da lógica da rentabilidade que tanto as organizações quanto as pessoas de maneira geral têm se inserido. Mas é necessário que o psicólogo seja um profissional diferenciado, que se atente também para o fato de que por trás de toda esta lógica do mundo capitalista, existem indivíduos com suas especificidades e diferentes demandas. Outros profissionais podem não se atentar para estas dimensões do sujeito, mas cabe ao psicólogo, não deixar de “exercer o cuidado”, ainda que ele opte por cargos gerenciais.
Mas e quanto ao psicólogo que também é empregado e convidado a ser empreendedor? Quando falamos que a Sociedade vem se tornando gerencialista, bem como as famílias e o próprio indivíduo, não podemos ignorar que o psicólogo também faz parte disso. Somos igualmente convidados a sermos produtivos, analisando nossa vida em “fatores de sucesso e de fracasso”, estabelecendo nossa contabilidade existencial. A gestão de si mesmo é algo que atinge os psicólogos, através das exigências das empresas de produção, da polivalência requisitada, da subjetividade que também deve ser flexível. Como fugir desse sistema é que é a questão. Talvez não haja maneira de escapar disso, afinal o psicólogo não é assim tão autônomo mais. Mas o ideal seria propor alternativas para atuarmos de forma diferenciada, considerando o humano como tal, e não objetivando-o. E por humano pensamos não só o outro, mas também a nós mesmos. É saber se atentar ao cuidado no gerenciamento. É não se conformar com o gerencialismo de tudo, é resgatar a nossa verdadeira subjetividade, e não aquela que se tornou característica empresarial. Estamos apenas no início de uma jornada longa, mas não podemos nos ausentar da nossa responsabilidade diante dela.

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